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domingo, novembro 24, 2024
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‘Derrotar a Portaria 426 é evitar uma devastação ainda maior do meio ambiente’, afirma ecologista

Duas importantes decisões judiciais foram proferidas dias 10 e 12 de junho, anulando efeitos da Portaria nº 426/2020, que instituiu um Núcleo de Gestão Integrada (NGI) em Teresópolis, criando um arranjo prejudicial à fiscalização, proteção e conservação do meio ambiente no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, na Reserva Biológica do Tinguá, na Estação Ecológica da Guanabara e nas Área de Proteção Ambiental (APAs) de Petrópolis e de Guapimirim. Editada em 11 de maio deste ano pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), uma autarquia em regime especial, a Portaria nº 426/2020 foi desde o início repudiada por ambientalistas, conselhos gestores e inúmeras entidades da sociedade civil, como os comitês de bacias hidrográficas do Rio Guandu e da Baía de Guanabara.

Gestor Ambiental e membro-fundador do Movimento Baía Viva, o ecologista Sérgio Ricardo Verde (foto) conversou com a reportagem do Sindsprev/RJ sobre o significado e os impactos das duas decisões judiciais na luta pela preservação ambiental e contra a entrega das unidades de conservação às atividades predatórias de madeireiros, grileiros e especuladores imobiliários. Sérgio também explicou as diferenças entre os modelos de unidades de conservação ambiental previstos na atual legislação brasileira.

Sindsprev/RJ – qual foi a primeira decisão judicial de relevância para a preservação ambiental?

Sergio Ricardo – trata-se de liminar concedida pela 2ª Vara Federal de Nova Iguaçu, em resposta a uma ação do Ministério Público Federal (MPF) de São João de Meriti. A liminar suspendeu os efeitos da Portaria 426, excluindo a gestão da Reserva Biológica do Tinguá do Núcleo de Gestão Integrada (NGI) de Teresópolis. A decisão também obriga o ICMBio a assegurar um debate plural, técnico e amplo sobre o tema. Antes da decisão, e como resultado da Portaria 426, o ICMBio havia determinado a transferência de todos os servidores da área de proteção Ambiental de Guapimirim, da Estação Ecológica da Guanabara, da Reserva Biológica do Tinguá e da Área de Proteção Ambiental da Região Serrana de Petrópolis para o Núcleo de Gestão Integrada, instalado em Teresópolis, o que resultou no fechamento das respectivas sedes administrativas. Na prática, isto dificultava ainda mais a implementação de ações visando fiscalizar e proteger essas reservas. Era tudo que os especuladores, madeireiros e desmatadores mais desejavam e desejam. Na decisão, a juíza Luiza Lourenço Bianquini disse que a liminar era ‘para evitar retrocesso ambiental, desvio de função e esvaziamento da Reserva Biológica do Tinguá’. Classificada pela Unesco [Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura] como patrimônio natural da humanidade, a Reserva Biológica do Tinguá é fundamental para garantia da segurança hídrica, do Sistema Acari da Cedae, que garante o abastecimento de água potável para 400 mil pessoas. Só para termos uma ideia de sua rica biodiversidade, a Reserva do Tinguá possui 560 espécies arbóreas de mata atlântica original, 85 espécies de mamíferos, 350 de aves e 34 de peixes. Ela abrange os municípios de Nova Iguaçu, Duque de Caxias, Miguel Pereira, Queimados e Petrópolis.

Sindsprev/RJ – e a outra decisão judicial de importância? Qual foi?

Sergio Ricardo – foi uma liminar em resposta a uma ação popular movida pelo advogado José Antônio Seixas da Silva, da OAB de Magé, obrigando o Instituto Chico Mendes a promover o retorno imediato, às respectivas unidades de conservação ambiental, dos chefes e demais servidores [analistas ambientais, educadores ambientais e agentes de fiscalização], sob pena de multa diária a ser arbitrada pelo juízo. Na prática, a decisão anula os efeitos da criação do Núcleo de Gestão Integrada [NGI] previsto na Portaria 426, a que já me referi na resposta anterior. Em sua decisão, a juíza Ana Carolina Vieira de Carvalho, da 1ª Vara Federal de Magé, considerou que, ao juntar arbitrariamente diversas unidades de conservação no mesmo Núcleo de Gestão Integrada com sede em Teresópolis, o Ministério do Meio Ambiente não levou em conta as particularidades da gestão de cada uma dessas unidades, como também não considerou seus diferenciados graus de vulnerabilidade ambiental e as enormes distâncias entre elas.

Sindsprev/RJ – a Portaria 426 é então uma das maiores ameaças às unidades de conservação ambiental, não é mesmo?

Sergio Ricardo – com certeza. É importante ressaltar que a Portaria 426 foi publicada sob orientação do ministro Ricardo Sales, um inimigo declarado da preservação do meio ambiente, que extinguiu a coordenadoria do Instituto Chico Mendes no Estado do Rio, uma das mais importantes, transferindo-a para São Paulo. Ricardo Sales também demitiu, sem ouvir conselhos gestores, todos os gestores do chamado Sistema de Unidades de Conservação do Estado do Rio de Janeiro. Gestores esses substituídos por militares sem conhecimento algum da questão ambiental. É a militarização da gestão pública, como está ocorrendo no Ministério da Saúde e em outros órgãos de governo. A Portaria 426 foi baixada sem que os conselhos gestores das unidades de conservação fossem ouvidos ou consultados, o que viola flagrantemente o princípio da participação social previsto na Constituição Federal de 1988. Mas está havendo uma firme reação dos conselhos gestores e do Ministério Público Federal em todo o país. Reação que levou a Justiça Federal a se posicionar sobre o tema, que é de interesse de toda a sociedade.

Sindsprev/RJ – quais são as diferenças existentes entre os modelos de unidades de conservação no Brasil?

Sergio Ricardo – primeiramente, é importante lembrar que no Brasil existe a Lei Federal nº 9985/2020. É uma lei que instituiu o chamado Sistema Nacional de Unidades de Conservação, com unidades de proteção integral e unidades de desenvolvimento sustentável. Há diferenças conceituais entre reserva biológica, parques, estações ecológicas e áreas de proteção ambiental. Reservas biológicas, como a do Tinguá e várias outras, por exemplo, não podem ter pessoas morando lá dentro. A visitação também só pode ser realizada com agendamento prévio e acompanhamento de técnicos. O objetivo é proteger os mananciais hídricos e espécies em extinção. Quanto aos parques, a lei permite a visitação pública, mas no caso deles há sempre um conflito com populações tradicionais de indígenas, quilombolas, ribeirinhos e pequenos agricultores. Nossa posição é favorável a essas populações tradicionais, mas na perspectiva de construir uma relação sustentável com o meio ambiente, pensando, por exemplo, numa economia que mantenha as florestas em pé, ao mesmo tempo em que gere emprego e renda.

Sindsprev/RJ – e as estações ecológicas e áreas de proteção ambiental?

Sérgio Ricardo – estações ecológicas, como a de Tamoios, em Angra dos Reis em Paraty, por exemplo, são muito importantes também. Ano passado Bolsonaro disse que quer transformar Tamoios na ‘Cancún brasileira’, o que pode significar sua entrega à construção de hotéis, à especulação imobiliária e ao capital financeiro por meio de cassinos. As estações ecológicas são áreas mistas, ou seja, possuem terras públicas e privadas. Em Tamoios vivem índios pataxós, caiçaras e guaranis, além de populações quilombolas. Quanto às áreas de proteção ambiental, as chamadas APAs, são áreas de terras públicas e privadas de unidades de conservação. São áreas onde ocorrem muitos conflitos de uso porque as prefeituras querem, na maioria das vezes, destinar essas áreas à especulação imobiliária. É preciso reagir. Por isso foi muito importante termos conseguido essas vitórias parciais das duas liminares. Derrotar a Portaria 426 é evitar uma devastação ainda maior do meio ambiente.

 

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