O epidemiologista Cesar Victora, membro da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), referência mundial em estudos sobre aleitamento materno, foi condecorado com o título da Grão-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico, no último dia 3, através de decreto assinado por Jair Bolsonaro. Na sexta-feira, Victora enviou carta a Marcos Pontes, Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, recusando a homenagem, “oferecida por um governo que ativamente boicota as recomendações da epidemiologia e da saúde coletiva”.
A Ordem Nacional do Mérito Científico é uma honraria concedida todos os anos para homenagear pessoas que se dedicaram ao avanço da ciência no país. A escolha é feita a partir de indicações da área, que são depois votadas por um comitê, que tem nove integrantes: seis indicados pela sociedade civil e pelas universidades e outros três representando o governo.
Além de Victora, foram condecorados outros 32 professores e pesquisadores, incluindo Marcus Vinícius Lacerda (Fiocruz/Amazonas) e Adele Schwartz Benzaken (UNAIDS) que, por serem críticos à atuação do governo diante da pandemia, tiveram a homenagem cancelada por Bolsonaro. Num ato de desvario e arrogância, o presidente se autoconcedeu o título, e aos ministros Marcos Pontes, Paulo Guedes (Economia), Milton Ribeiro (Educação) e Carlos França (Relações Internacionais).
A decisão de Bolsonaro de retirar, como retaliação, a homenagem a dois agraciados com o título levou outros 21 cientistas condecorados a rejeitar a medalha. Em carta divulgada no sábado (6/11), os cientistas afirmam que a a revogação das homenagens aos dois representa mais uma clara demonstração de perseguição por parte do governo federal.
“A homenagem oferecida por um governo federal que não apenas ignora a ciência, mas ativamente boicota as recomendações da epidemiologia e da saúde coletiva, não é condizente com nossas trajetórias científicas. Em solidariedade aos colegas que foram sumariamente excluídos da lista de agraciados, e condizentes com nossa postura ética, renunciamos coletivamente a essa indicação”, dizem os cientistas no comunicado.
Leia aqui a carta do epidemiologista.
Tomei conhecimento no último dia 3 da publicação no Diário Oficial informando minha promoção desde o grau de Comendador da Ordem do Mérito Científico, distinção a mim conferida em 2008, para o prestigioso grau de Grã‐Cruz da mesma ordem.
Embora a distinção represente um importante – e talvez o maior ‐ reconhecimento para qualquer cientista brasileiro, ela me deixou dividido.
A homenagem oferecida por um governo federal que não apenas ignora, mas ativamente boicota as recomendações da epidemiologia e da saúde coletiva, não me parece pertinente. Como cientista e epidemiologista, tenho tornado pública, através de palestras e artigos científicos, minha completa oposição à forma como a pandemia de COVID‐19 tem sido enfrentada por esse governo.
Mais ainda, enquanto cientista não consigo compactuar com a forma pela qual o negacionismo em geral, as perseguições a colegas cientistas e em especial os recentes cortes nos orçamentos federais para a ciência têm sido utilizados como ferramentas para retroceder os importantes progressos alcançados pela comunidade cientifica brasileira nas últimas décadas.
Escrevi o texto acima antes de ficar ciente de que as indicações de dois colegas cientistas com posições críticas ao governo federal foram tornadas sem efeito, conforme o Diário Oficial de 5 de novembro.
Tal atitude somente reforça minha decisão de não aceitar a distinção a mim oferecida.
Atenciosamente,
Cesar Victora