A exigência de que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), aprove pedido de abertura de processo de impeachment de Jair Bolsonaro (sem partido) será a principal reivindicação dos protestos do próximo sábado, 24 de julho. O ato do Rio de Janeiro vai ser, mais uma vez, em frente ao Monumento a Zumbi dos Palmares. A concentração está prevista para as 10 horas.
Este é o quarto dia de manifestações nacionais pelo afastamento do presidente por crimes de genocídio e corrupção, entre outros; pela aceleração no ritmo de vacinação; contra a política econômica e reformas neoliberais, como a reforma administrativa, em tramitação no Congresso Nacional; e a privatização das estatais. As anteriores foram em 3 de julho, 19 de junho e 29 de maio.
Os organizadores prometem redobrar os cuidados com protocolos sanitários, para garantir a segurança dos manifestantes. Assim como nos atos anteriores, todos devem usar máscaras de alta proteção (PFF2/N95) e álcool em gel. Além disso, as manifestações ocorrerão ao ar livre, e os participantes também são orientados a manter o distanciamento.
Arthur Lita é aliado de Bolsonaro e deixou de responder a mais de 120 pedidos de abertura de processo de impeachment. Recentemente, disse que a tragédia da pandemia, com mais de 550 mil mortos não era motivo para aceitação das solicitações.
Mesmo pressionado pelo escândalo da farra das vacinas, esquema em que, no mínimo, Bolsonaro cometeu crime de prevaricação, ao saber e se omitir de investigar a denúncia de corrupção na compra da vacina indiana Covaxin, Lira manteve sua recusa.
Lira é líder do Centrão, o grupo mais fisiológico do Congresso Nacional, e pertence ao PP, partido com mais processos por corrupção, que teve como ícone o ex-deputado Paulo Maluf. É a base de apoio de Bolsonaro, que, contraditoriamente, diz ser contra a corrupção. O Centrão aprovou projeto de Bolsonaro de Orçamento Paralelo destinando mais de R$ 3 bilhões em emendas a parlamentares do grupo.
Superpedido
No último dia 30, com o avanço das investigações sobre a farra das vacinas pela Comissão Parlamentar do Inquérito do Genocídio um superpedido de impeachment, listando o cometimento de 23 crimes de responsabilidade por Bolsonaro foi entregue por centenas de entidades da sociedade a Lira. O documento traz uma síntese dos motivos que embasaram os entregues anteriormente e inclui outros crimes de responsabilidade, como o de prevaricação.
Já se sabe da existência no governo federal de uma quadrilha envolvendo militares de alta patente, empresas privadas, algumas de fachada, e políticos do chamado Centrão, na venda superfaturada e com a cobrança de propina para a venda de vacinas conta a covid-19. O ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e coronéis a ele subordinados, além do líder do governo, e ex-ministro da Saúde de Michel Temer, Ricardo Barros, estariam envolvidos.
O esquema previa a assinatura de contratos com valores muito superiores aos das vacinas já contratadas, com as negociações feitas pelo Ministério da Saúde, sempre através de empresas privadas, algumas de fachada. Bolsonaro foi informado da existência do esquema a partir de denúncias feitas a ele pessoalmente pele chefe do departamento de importação do ministério, Luis Ricardo Miranda e por seu irmão, deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e nada fez, o que caracteriza crime de prevaricação.
A CPI criou, na semana passada, um grupo para investigar exclusivamente, a responsabilidade do governo no caos e fraudes cometidos pelo Ministério da Saúde no Rio de Janeiro. A decisão foi tomada graças às mobilizações dos servidores, tendo à frente o Sindsprev/RJ.
Crimes de responsabilidade
O pedido imputa a Bolsonaro 23 crimes previstos na lei 1.079/50, conhecida como Lei do Impeachment. Entre eles, cometer ato de hostilidade contra nação estrangeira, tentar dissolver o Congresso Nacional, atrapalhar investigações, violar o direito à vida dos cidadãos na pandemia, incitar militares à desobediência à lei e não agir contra subordinados que agem ilegalmente.
O último é ligado às denúncias em torno da compra da vacina indiana Covaxin. O caso veio à tona depois que o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF) disse ter denunciado irregularidades ao presidente da República, mas este não determinou a investigação de subordinados e políticos aliados.
O “megapedido”, traz a assinatura de 46 pessoas. Na maioria, representam entidades diversas, como as Frentes Brasil Popular e Frente Povo Sem Medo,, partidos políticos, centrais sindicais, sindicatos, associações e coletivos. Entre os 46 signatários, estão representantes de 11 partidos de oposição: o Cidadania; Partido Comunista Brasileiro (PCB); Partido Comunista do Brasil (PCdoB); Partido da Causa Operária (PCO); Partido Democrático Trabalhista (PDT); Partido dos Trabalhadores (PT); Partido Socialismo e Liberdade (PSOL); Partido Socialista Brasileiro (PSB); Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU); Rede Sustentabilidade; e Unidade Popular (UP). Os únicos três nomes que não aparecem vinculados a entidades são de três deputados federais — e ex-apoiadores de Bolsonaro: Joice Hasselmann (PSL-SP), Alexandre Frota (PSDB-SP) e Kim Kataguiri (DEM-SP).
Saiba dos crimes listados
Veja aqui alguns dos crimes de responsabilidade listados no superpedido de abertura de impeachment contra Bolsonaro:
1 – Cometer ato de hostilidade contra nação estrangeira, expondo a República ao perigo da guerra, ou comprometendo-lhe a neutralidade (art. 5º, inciso 3)
“Repetidas e desatinadas manifestações de hostilidade promovidas publicamente pelo presidente da República em relação a país estrangeiro, agravadas pelo delicado contexto da pandemia da covid-19, em que a colaboração internacional se impõe como requisito essencial à obtenção de ajuda científica, aquisição de insumos e acesso à vacinação em massa.”
2 – Violar a imunidade dos embaixadores ou ministros estrangeiros acreditados no país (art. 5º, inciso 7)
“Relativamente à Venezuela, veja-se que o Presidente da República, em meio à pandemia da covid-19, tentou expulsar do território brasileiro – sem que existissem até mesmo meios de transporte para tal – o corpo diplomático daquele país, investida que somente não foi levada às últimas consequências em razão da intervenção do Supremo Tribunal Federal.”
3 – Violar tratados legitimamente feitos com nações estrangeiras (art. 5º, inciso 11)
“A adoção de diretrizes voluntaristas e erráticas por parte do presidente da República e do governo federal, sob temerária condução, resultam na violação de tratados e compromissos internacionais assumidos pelo país.”
4 – Tentar dissolver o Congresso Nacional, impedir a reunião ou tentar impedir por qualquer modo o funcionamento de qualquer de suas Câmaras (art. 6º, inciso 1)
5 – Usar de violência ou ameaça contra algum representante da Nação para afastá-lo da Câmara a que pertença ou para coagi-lo no modo de exercer o seu mandato bem como conseguir ou tentar conseguir o mesmo objetivo mediante suborno ou outras formas de corrupção (art. 6º, inciso 2)
6 – Opor-se diretamente e por fatos ao livre exercício do Poder Judiciário, ou obstar, por meios violentos, ao efeito dos seus atos, mandados ou sentenças (art. 6º, inciso 5)
7. Usar de violência ou ameaça, para constranger juiz, ou jurado, a proferir ou deixar de proferir despacho, sentença ou voto, ou a fazer ou deixar de fazer ato do seu ofício (art. 6º, inciso 6)
8 – Praticar contra os poderes estaduais ou municipais ato definido como crime neste artigo (art. 6º, inciso 7)
“Apoio ostensivo e participação direta do Presidente da República em manifestações de índole antidemocrática e afrontosas à Constituição, em que oram defendidas gravíssimas transgressões institucionais, tais como o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, além da reedição do Ato Institucional nº 5, instrumento de exceção emblemático da ditadura militar instaurada em 1964.”
9 – Servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua (art. 7º, inciso 5)
“Falta de repreensão ao general Augusto (Heleno), seu subordinado imediato, quando ele define como ‘chantagem’ as prerrogativas constitucionais do Poder Legislativo” e “Elogios à ditadura, violação dos direitos humanos e quebra da ordem constitucional ou permissão que os subordinados o façam sem repreensão.”
10 – Subverter ou tentar subverter por meios violentos a ordem política e social (art. 7º, inciso 6)
11 – Incitar militares à desobediência à lei ou infração à disciplina (art. 7º, inciso 7)
12 – Provocar animosidade entre as classes armadas ou contra elas, ou delas contra as instituições civis (art. 7º, inciso 8)
“A troca do comando do Ministério da Defesa, anteriormente ocupado por cidadão que gozava de integridade e de respeitabilidade por todos os Poderes constituídos, bem como a consequente troca em todos os comandos das Forças Armadas não pode se prestar a nada senão à mera e vazia incitação dos militares à desobediência à lei ou infração à disciplina.”
13 – Violar patentemente qualquer direito ou garantia individual constante do art. 141 e bem assim os direitos sociais assegurados no artigo 157 da Constituição (art. 7º, inciso 9)
“Resta plenamente configurado, portanto, que o sr. Jair Messias Bolsonaro optou de modo consciente, informado e reiterado por apostar com a vida dos brasileiros, levando parcela da população a não aderir a cuidados sanitários elementares – o que foi decisivo para que os esforços empreendidos por outras autoridades públicas, pela comunidade científica e pela imprensa profissional não produzissem os resultados esperados.”
14 – Permitir, de forma expressa ou tácita, a infração de lei federal de ordem pública (art. 8º, inciso 7)
Um dos pedidos de impeachment listados no “superpedido” ressalta que os filhos do presidente são objeto de investigações e que Jair Bolsonaro buscou “colocar no comando da Polícia Federal alguém que estivesse em condição de subserviência para com ele, podendo, ao seu mando, repassar essas informações sensíveis, especialmente se englobarem qualquer consideração sobre os seus filhos, para então tomar as medidas cabíveis e manipular tais informações”.
15 – Deixar de tomar, nos prazos fixados, as providências determinadas por lei ou tratado federal e necessário a sua execução e cumprimento (art. 8º, inciso 8)
“Reiterada ocorrência de pronunciamentos temerários e irresponsáveis do Presidente da República, de caráter antagônico e contraproducente ao esforço do Ministério da Saúde e de diversas instâncias da Federação vinculadas ao Sistema Único de Saúde (SUS) e aos serviços de prevenção, atenção e atendimento médico-hospitalar à saúde da população, em meio à grave disseminação em território nacional da pandemia global do novo coronavírus.”
16 – Não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição (art. 9º, inciso 3)
17 – Expedir ordens ou fazer requisição de forma contrária às disposições expressas da Constituição (art. 9º, inciso 4)
18 – Infringir no provimento dos cargos públicos, as normas legais (art. 9º, inciso 5)
19 – Usar de violência ou ameaça contra funcionário público para coagí-lo a proceder ilegalmente, bem como utilizar-se de suborno ou de qualquer outra forma de corrupção para o mesmo fim (art. 9º, inciso 6)
20 – Proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo (art. 9º, inciso 7)
“Praticou ainda grave violação ao princípio republicano e ao mandamento constitucional da impessoalidade no exercício da administração pública, mediante a utilização de poderes inerentes ao cargo com o propósito reconhecido de concretizar a espúria obtenção de interesses de natureza pessoal, objetivando o resguardo de integrantes de sua família ante investigações policiais, mediante a determinação anômala de diligências, a exigência de acesso a relatórios de investigações sob sigilo legal e a tentativa de indicação de autoridades da Polícia Federal que estejam submetidas aos desígnios de natureza privada do ocupante da presidência da República.”
21 – Negligenciar a arrecadação das rendas, impostos e taxas, bem como a conservação do patrimônio nacional (art. 11, inciso 5)
“É notório e reconhecido que no contexto da calamidade pública resultante da pandemia, o presidente da República dedicou recursos públicos a medicamentos sem eficácia comprovada, abstendo-se de executar um plano de comunicação minimamente eficaz que estimulasse a observância de medidas de contenção e prevenção do contágio da doença, tais como o uso de máscaras faciais e o respeito ao distanciamento social, além do esclarecimento quanto à inconveniência de aglomerações.”
22 – Impedir, por qualquer meio, o efeito dos atos, mandados ou decisões do Poder Judiciário (art. 12, inciso 1)
23 – Recusar o cumprimento das decisões do Poder Judiciário no que depender do exercício das funções do Poder Executivo (art. 12, inciso 2)
“Evidências envolvem a sabotagem de medidas de proteção aos povos originários e ao meio ambiente. No tocante aos povos indígenas, as providências originadas de julgamento do Supremo Tribunal Federal no que concerne ao resguardo contra a disseminação do novo coronavírus foram obstaculizadas deliberadamente pelo governo federal, com a indisfarçável conivência presidencial, situação que se estendeu a outras decisões de tribunais federais e de Corte Internacional.”