O depoimento do ex-ministro da Saúde e ex-aliado de Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta, à Comissão Parlamentar de Inquérito do Genocídio, nesta terça-feira (4/5), confirmou que o presidente da República agiu de forma intencional para a disseminação do novo coronavírus no Brasil, tendo como consequência o aumento expressivo do número de infectados e mortos. Mais do que isto, Mandetta revelou a existência de um comando paralelo, ilegal, sem previsão institucional, não pertencente à estrutura de governo, ao melhor estilo miliciano, responsável por formular políticas que contrariavam as orientações do ministério da Saúde com relação à necessidade do isolamento social, a não participação em aglomerações, à gravidade da pandemia, a urgência na contração de laboratórios para o fornecimento de vacinas e incentivando o uso de medicamentos preventivos para a covid-19, sem comprovação científica.
Este comando tinha como chefe o próprio presidente da República e era composto por filhos do presidente, assessores e consultores informais, médicos de fora do governo e alguns ministros. Sua principal função era a de sustentar as ações negacionistas de Bolsonaro que colocavam em risco a vida de milhões de brasileiros, contrariando as orientações do próprio ministro da Saúde e dos organismos internacionais, como a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Ao traçar uma política contrária aos protocolos científicos de combate à pandemia era papel deste comando reforçar a tese de que para resolver o problema da doença era necessário apostar na transmissão em massa do vírus até atingir um total de 70% da população, a chamada imunidade de rebanho. Esta tese genocida é condenada pelas mais renomadas instituições científicas no mundo e levou à morte de milhares de pessoas no Brasil.
Bolsonaro foi alertado sobre mortes
Questionado se Bolsonaro foi alertado, direta e objetivamente, em reuniões presenciais e por meio de documentos por escrito que a conduta que ele adotava, de minimizar o efeito do vírus, poderia levar o Brasil a uma catástrofe, Mandetta respondeu: “Todos os ministros participavam, às terças-feiras, de reuniões específicas sobre isso. Além de eu ter entregue uma carta em mãos ao presidente”, disse.
No documento, que foi levado pelo ex-ministro aos parlamentares da CPI do Genocídio, está o pedido expresso para uma mudança de postura por parte de Bolsonaro, que fosse alinhada com as orientações científicas sobre a doença, “uma vez que a adoção de medidas em sentido contrário poderá gerar colapso do sistema de saúde e gravíssimas consequências à saúde da população”. Bolsonaro, portanto, sabia das consequências genocidas de suas ações, decididas pelo comando paralelo.
De acordo com Mandetta, tal dubiedade de recomendações confundiu a população, dificultando a condução da pandemia. Enquanto o Ministério da Saúde queria instituir uma campanha publicitária recomendando o uso de máscaras e o distanciamento social e alertando sobre a gravidade do vírus, Bolsonaro propunha uma propaganda que emitisse a ideia de que o Brasil ia vencer o vírus. “Uma mensagem mais ufanista (…). O que me restava era usar a tradição oral, verbal, para fazer chegar à ponta a mensagem limpa para que (os municípios) pudessem construir a linha de defesa”, completou o ex-ministro.
Covil se reunia no terceiro andar do Planalto
Entre os nomes que participavam deste comando ilegal e que deverão ser convocados a depor na CPI do Genocídio estão os do hoje ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Onyx Lorenzoni; o do policial militar da reserva Jorge Oliveira, que ocupou o cargo na pasta até 31 de dezembro; e o filho 02 do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).
“Eu estive dentro do Palácio do Planalto quando fui informado, após uma reunião, que era para eu subir para o terceiro andar, porque tinha lá uma reunião com vários ministros e médicos que iam propor esse negócio de cloroquina, que eu nunca tinha conhecido. Quer dizer, ele (Bolsonaro) tinha um assessoramento paralelo. Acredito que o presidente construiu, fora do Ministério da Saúde, alguns aconselhamentos que o levaram para essa tomada de decisões.
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Falsificar a bula da cloroquina
Mandetta deu mais detalhes sobre como funcionava o comando e sobre propostas de negar a ciência, inclusive com o uso de falsificações de bulas de remédio para amparar declarações públicas que seriam feitas por Bolsonaro e seus aliados. “Testemunhei várias vezes reunião de ministros em que o filho do presidente, que é vereador do Rio de Janeiro, estava sentado atrás dele tomando notas. Eles tinham reuniões dentro da Presidência”, frisou. Num desses encontros, conforme Mandetta, havia um ofício recomendando que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) alterasse a bula da cloroquina para especificar que o medicamento tratava a covid-19.
“Ele (Bolsonaro) tinha um assessoramento paralelo. Havia sobre a mesa um papel não timbrado de um decreto presidencial para que fosse sugerido, naquela reunião, mudar a bula da cloroquina na Anvisa, para que na bula tivesse a indicação do medicamento para o coronavírus. O presidente da Anvisa (Antonio Barra Torres) disse que não”, contou. O ex-ministro reafirmou que o chefe do Planalto se encontrava com pessoas que não integravam o governo, entre eles, médicos que faziam recomendações sobre enfrentamento à doença, contrariando os protocolos oficiais.
O papel de Paulo Guedes no genocídio
Madetta deixou evidente o papel torpe do ministro Paulo Guedes, da Economia, como aconselhador de Bolsonaro, ao minimizar a gravidade da pandemia, levando ao aumento das mortes. Classificou Guedes como “desonesto intelectualmente, uma coisa pequena, um homem pequeno para estar onde está”.
Para o ex-titular da Saúde, Guedes e Bolsonaro fizeram escolhas que levaram ao aprofundamento da pandemia.
Na avaliação dele, os dois optaram por priorizar a economia no combate à covid-19, mesmo com informações sobre o número provável de mortos e sobre o momento em que ocorreria uma segunda onda. Mandetta disse, ainda, que Guedes pode ter induzido ao erro até mesmo empresários e operadores do mercado.
Para Mandetta, Bolsonaro e Guedes pareciam apostar em um efeito de rebanho que acabaria em setembro ou outubro de 2020. Isso teria induzido o governo a aceitar o auxílio emergencial de R$ 600, acreditando que, em quatro meses, não seria mais necessário um socorro aos vulneráveis.