Ausência de uma aliança de centro-esquerda, crescimento do fundamentalismo cristão e o avanço das milícias, dificultando a organização popular. Estes foram alguns dos principais motivos apontados pelo jornalista e analista político Henrique Acker (foto) para a ida de dois candidatos ultraconservadores ao segundo turno — Eduardo Paes e Marcelo Crivella — nas eleições para a Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro. Henrique analisou ainda o impacto que terá o resultado na eleição de 2022 e o significativo crescimento dos votos brancos, nulos e abstenções.
Acker esteve no Rádio com o Programa Boca Livre por 18 anos, é editor do Blog do Acker, analista político e da cobertura da mídia.
Sindsprev/RJ – Que motivos você aponta para a ida de dois candidatos conservadores para o segundo turno da eleição para a Prefeitura do Rio de Janeiro?
Henrique Acker – Há vários fatores, mas eu destaco quatro: 1) A esquerda sofreu um processo de acomodação e carece de uma estratégia para a transformação social, isolando-se em setores da classe média e nas bolhas de internet; 2) O crescimento do neopentecostalismo entre os setores populares, que une uma espécie de fundamentalismo cristão a toda uma rede de assistência social; 3) O avanço das milícias, também nas áreas populares, com a conivência do Estado, o que dificulta a organização popular; 4) A ausência de uma aliança da esquerda/centro-esquerda, que poderia levar um candidato progressista ao segundo turno no Rio.
Sindsprev/RJ – Crivella recebeu apoio explícito de Bolsonaro. Eduardo Paes, não, mas é da base aliada do governo. O resultado do primeiro turno pode ser considerado uma vitória para Bolsonaro?
Henrique – Sim e não. Crivella é um aliado importante de Bolsonaro, Paes está ligado ao Rodrigo Maia (DEM), que procura se diferenciar do bolsonarismo sem romper com ele. O plano de Maia é montar uma alternativa da direita mais moderada com o PSDB e o Centrão para 2022. É uma espécie de namoro conflituoso da direita com a extrema direita. As chances de Crivella no segundo turno são mínimas, por conta da sua rejeição (cerca de 60%), mas Paes já deixou claro que não pretende bater de frente com Bolsonaro.
Sindsprev/RJ – Como explicar o altíssimo índice de abstenção, nulos e brancos? O número de eleitores que não votaram no Rio (1.590.876) é maior do que os que votaram em Eduardo Paes (974.804) e Crivella (576.825) somados. Já o número de votos brancos (213.138) e nulos (413.962) também foi maior do que nas eleições de 2016.
Henrique – Nulos e brancos vêm crescendo paulatinamente nas últimas eleições, o que ainda pode ser considerado um voto de protesto, com o desencanto com as alternativas que se apresentam. Mas o crescimento da abstenção desta vez tem a ver com o receio de muita gente de ficar em filas e se contaminar, em meio à pandemia do coronavírus. Gostaria que isso se transformasse em energia para contestar o sistema e fortalecer a organização popular. Infelizmente, creio que é um fenômeno que está mais para a despolitização.
Sindsprev/RJ – Bolsonaro não foi bem na maioria das cidades do país, com candidatos apoiados por ele sem ir para o segundo turno, como Russomano, em São Paulo. Qual a sua avaliação a respeito?
Henrique – O bolsonarismo não tem por objetivo montar um partido. Existem pequenos grupos fascistóides e de extrema direita em ação, como as milícias que dão sustentação a Bolsonaro. Por isso, sua base eleitoral se dispersou nesta eleição, usando os partidos fisiológicos para suas candidaturas a vereador e apoiando candidatos a prefeito aqui e acolá. Para mim, o bolsonarismo está muito mais ligado ao que aconteceu no México, na Colômbia e em alguns países da América Central do que com o neofascismo europeu.
Sindsprev/RJ – Quais as consequências do pleito municipal para as eleições de 2022?
Henrique – De maneira geral, os candidatos de esquerda e centro esquerda, com exceções, não foram bem nas cidades acima de 200 mil eleitores. Destaco o avanço do PSOL, mas ainda sobre uma parcela do eleitorado petista.
O MDB continua sendo o partido com o maior número de prefeituras entre os pequenos municípios, o que lhe dá capital para barganhar seu apoio em 2022. O DEM se fortaleceu e deve ficar com quatro ou cinco capitais importantes, como o Rio e Salvador, o que dá a Rodrigo Maia e ACM Neto um protagonismo na direita para a montagem de uma alternativa eleitoral em 2022, arrastando o PSDB. Bolsonaro deve ficar ainda mais refém do velho Centrão, se quiser governar nos próximos dois anos e ter base para disputar a reeleição com chance de vitória. Mas isso tudo dependerá de como o país vai atravessar o próximo período, com uma segunda onda da pandemia, falta de um plano nacional de combate ao vírus, avanço do desemprego e a dúvida sobre a manutenção ou não do auxilio-emergencial a partir de janeiro de 2021.