Aprovada no plenário do Senado nesta quinta-feira (4/3), a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 186, também conhecida como PEC emergencial, segue para a Câmara dos Deputados, onde deverá ser submetida a novo escrutínio a partir da próxima terça (9/3). Apesar de o relator da PEC, senador Márcio Bittar (MDB-AC), ter retirado do texto o ponto que acaba com os pisos para gastos em saúde e educação dos estados e municípios, não está descartada a hipótese de os deputados restabelecerem o dispositivo quando da apreciação da matéria na Câmara. Se isto vier a ocorrer e se o Congresso aprovar, o financiamento dos serviços públicos de saúde e educação, nas três esferas de governo, estará irremediavelmente comprometido.
É que, segundo a Constituição Federal de 1988, as despesas de saúde e educação públicas são vinculadas, devendo os estados destinar 12% da receita à saúde e 25% à educação. Já os municípios têm de investir, respectivamente, 15% e 25% de suas receitas. A União Federal, por sua vez, tem de destinar 15% de suas receitas líquidas a essas duas áreas. Importante frisar que os pisos de saúde e educação devem ser corrigidos pela inflação do ano anterior.
Junto com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), por meio da Lei 8080, a garantia dos chamados pisos da saúde e educação foi uma das maiores conquistas da população brasileira no século XX. No caso do SUS, é este piso que garante o financiamento das ações de curto, médio e longo prazos essenciais ao funcionamento da saúde pública, gratuita e universal em nível de baixa, média e alta complexidades.
Em 2020, o orçamento do Ministério da Saúde foi de R$ 229,2 bilhões. Esses recursos, porém, não foram totalmente executados e empenhados pelo governo federal, que vem intensificando uma inaceitável política de desmonte do SUS em todo o país, onde as redes de atendimento estão cada vez mais sucateadas e precarizadas, com problemas que vão da insuficiência do número de profissionais à falta de insumos mais básicos.
Nesta conta de orçamento do Ministério da Saúde não estão incluídos os recursos que devem ser destinados ao SUS por estados e municípios.
O maior temor de servidores públicos, sindicatos e conselhos profissionais da saúde é de que, com a aprovação da desvinculação dos recursos para a área, o atual sucateamento venha a se agravar ainda mais, gerando desassistência para milhões de brasileiros, de norte a sul do país.
A PEC emergencial foi incialmente concebida para viabilizar o pagamento de uma segunda rodada do auxílio emergencial e estabelecer limites para gastos da União, dos estados e municípios. No entanto, o governo Bolsonaro aproveitou-se da discussão sobre a necessidade de prorrogar o auxílio para forçar a aprovação, no texto da PEC, do dispositivo que acaba com os financiamentos básicos de saúde e educação. Em certo momento das discussões no Senado, o governo e parlamentares aliados chegaram a condicionar a aprovação do auxílio emergencial à aprovação do dispositivo que acaba com os pisos das duas áreas, numa óbvia chantagem.
Em suas propostas de mobilização contra a PEC nº 186 e a PEC nº 32 (Reforma Administrativa), o Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais (Fonasefe) e entidades que participam dessa luta, incluindo a Fenasps (federação nacional) e sindicatos filiados, apresentam como exigência central a manutenção dos pisos de financiamento para a saúde e a educação, entre outros pontos de grande relevância.
O Fonasefe propõe um calendário que pode culminar com uma greve do funcionalismo no dia 24/3, caso governo e Congresso não recuem dos ataques aos direitos dos trabalhadores. Ataques que, além das duas PECs citadas, incluem as privatizações de empresas estatais.
Presidente da Associação dos Servidores da Saúde de Niterói, o médico César Roberto Braga Macedo critica as manobras tentadas pelo governo Bolsonaro para aprovar a PEC emergencial. “A tentativa de condicionar a aprovação do auxílio emergencial à aprovação da PEC mostra que o governo tem uma visão perversa e oportunista ao tentar uma mistura absurda dessas duas matérias. O fim da garantia do piso mínimo de financiamento é uma ameaça muito séria porque o SUS já vem sendo sucateado em sua possibilidade financeira e de expansão da rede de serviços. A saúde não pode depender de pressão sobre os governos toda hora em que precisamos de mais leitos. Os trabalhadores e a população têm de estar atentos a isto. Temos que nos mobilizar em defesa da saúde pública e financiada com recursos públicos”, disse.
Diretor de assuntos jurídicos da mesma associação, o advogado José Ricardo Lessa alerta para a possibilidade de os deputados reintroduzirem, na PEC 186, o dispositivo que acaba com os investimentos básicos em saúde e educação. “Enquanto o processo legislativo estiver acontecendo, tudo pode acontecer. Por isso a batalha ainda está longe de uma definição. A única forma de fazermos com que os projetos em tramitação no Congresso tenham a cara do interesse de toda a sociedade é quando a própria sociedade se mobiliza para fazer valer seus interesses. Temos que pressionar para que os financiamentos públicos de saúde e educação continuem obrigatórios. As nossas mobilizações, sejam físicas ou virtuais, serão ainda mais necessárias”, frisou.
Mesmo que a PEC 186 venha a ser aprovada na Câmara dos Deputados sem a reintrodução do dispositivo que acaba com os financiamentos básicos de saúde e educação, ainda assim ela continuará sendo uma grave ameaça ao serviço público e seus trabalhadores. É que o texto da PEC autoriza a União, os estados e os municípios a congelarem reajustes salariais e progressões de carreira de seus respectivos servidores, sempre que as despesas desses entes federados atingirem 95% de suas receitas.
Por essa razão é que o Fonasefe luta pelo arquivamento definitivo da PEC, sem prejuízo da prorrogação do auxílio emergencial aos trabalhadores brasileiros.